Marcelo Reis
Roma Negra, uma cidade da Bahia
Salvador é uma cidade marcada por aspectos culturais tão diversos que não consegue ser uma cidade única. Paradoxalmente, somos únicos justamente pelo aspecto da diversidade cultural de nosso povo, de nossa gente.
Marcados pela hibridização cultural africana, somos tão representativos quanto a cidade de Roma no tocante à impregnação religiosa, segundo a observação da etnóloga estadunidense radicada no Brasil Ruth Landes (1908-1991), que, na década de 1930, em suas andanças pela Bahia, registrou a expressão “Roma Negra”, usada pela fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Aninha. Metaforicamente, a expressão fazia referência tanto ao seu povo como ao fundamento, estruturação, vitalização e expansão da crença e energia miticossagrada da comunidade africano-brasileira.
O mesmo povo que trouxe para a nossa cidade antropólogos e cientistas trouxe também artistas e pesquisadores. Entre eles, um dos mais importantes fotógrafos que Salvador já recebeu: Pierre Verger (1902-1996). Importante não por ser um fotógrafo franco-brasileiro, mas em razão de, como fotógrafo, ter amado a nossa cidade como poucos, tendo nela seu verdadeiro e único lar. Importante, pois, como ninguém, criou uma das mais ricas e profundas documentações sobre a cultura afro-brasileira desta cidade, nossa Roma Negra.
A exposição Roma Negra, uma Cidade da Bahia, é também uma homenagem a esse artista nato, que fotografou de maneira visceral nosso povo, como quem os desejava.
Pierre Verger, a quem tive o prazer de conhecer, foi, junto a Isabel Gouvea e Walter Firmo, fotógrafos de Salvador e Rio de Janeiro respectivamente, um dos meus inspiradores. De Verger, entendi que só é possível fotografar se existir prazer pelo “objeto” fotografado. “Sem prazer não haverá fotografia”, condição também compreendida pelo fotógrafo sueco Anders Petersen (1944), em referência à sua exposição Veias.
Esta exposição é uma homenagem a esta cidade que chamamos de Salvador. Cidade diversa e única ao mesmo tempo. Cidade de ritos e mitos sagrados, de luzes e tons, de uma cor de mormaço como nunca vista.
Orgulhosamente, esta exposição, ao integrar o acervo de fotógrafos do novo Espaço da Fotografia Baiana, é também uma homenagem a este povo, por sua religiosidade negra, por suas igrejas e terreiros, por suas ruas, becos e vielas, suas ladeiras e esquinas, e por seus altos e baixos. Esta exposição é uma homenagem aos homens e mulheres de suor que tornam nossas fotografias imagens verdadeiramente representativas do jeito baiano que há em nós.
Marcelo Reis
Vive e trabalha em Salvador, onde nasceu em 1972. Tornou-se fotógrafo no início da década de 1990 e, em 1996, através de um convite, começou a lecionar fotografia, atividade que desenvolve com muito amor até os dias atuais. Um ano mais tarde, inaugurou a Casa da Photographia, hoje Instituto Casa da Photographia, uma das principais instituições privadas de fomento à cultura fotográfica na Bahia.
Como trabalho pessoal, expôs nas principais galerias da Bahia, Brasil e outros países. Desenvolve, desde o ano de 1999, em cor ou em preto-e-branco, o projeto Ritos Populares, no qual segue uma linha estético-documental no registro das principais manifestações populares brasileiras, sobretudo do Norte e Nordeste, entre as quais se destacam o Bembé do Mercado de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, e o Círio de Nazaré, em Belém do Pará.
Apesar da formação como jornalista (possui o registro DRT/BA5300), atua diretamente na área da fotografia, como professor e produtor cultural, sendo diretor do A Gosto da Fotografia – Festival Nacional de Fotografia e do Instituto Casa da Photographia, editor da revista NuOlhar e coordenador do projeto Câmera Lata, além de escrever sobre fotografia para diversas exposições das quais é também curador.
Com o lançamento de vários projetos, obteve, junto com o Instituto, reconhecimento nacional.
Esses projetos incluem eventos mensais com fotógrafos locais, nacionais e estrangeiros, como Mário Cravo Neto, Diógenes Moura, Milton Guran, Walter Firmo, Devis Alan Havey, Tomas Farkas, entre outros.