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O Corvo e a Raposa

Et bonjour, Monsieur de Corbeau, que vous êtes joli! que vous me semblez beau!

Bonjour, Monsieur du Renard!

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Era assim, em francês e com estas palavras da fábula O Corvo e a Raposa, de Jean de La Fontaine, que Carybé e Verger se cumprimentavam. O Corvo era Pierre e a Raposa, meu pai.
Em 1946, recém-casados, meu pai e minha mãe moravam no Rio, em Copacabana, na pensão de uma polonesa, madame Tarzeling (?). Bem perto dali, Verger dividia um apartamento com Gautherot, seu amigo e também fotógrafo. A pensão tinha uma boa cozinha e fornecia refeições a preços módicos, para não hóspedes, Verger era um destes. Foi assim que meus pais e Pierre se conheceram e ficaram amigos pela vida toda. Até hoje minha mãe fala de Verger com saudade.
Foi então que meu pai recomendou a Pierre não deixar de vir à Bahia e lhe transmitiu o entusiasmo que sentia por esta terra, pela qual era fascinado e que já visitara algumas vezes.
Sendo personalidades opostas, Carybé, filho de Oxóssi e Verger, de Xangô, tinham, no entanto, os mesmos interesses e foi isso que os aproximou. Gostavam de aventura, de viajar, de conhecer gente e culturas diferentes da tradição europeia e também, de registrar tudo o que viam com sua arte
Para ambos, a Bahia foi uma revelação. Aqui, no candomblé, Verger reviu e finalmente compreendeu, rituais e cenas que já fotografara na África sem lhes captar o sentido e também foi aqui onde meu pai, guiado pela constelação do Cruzeiro do Sul, que ele mesmo tinha tatuado no braço, encontrou finalmente o seu lugar como pintor. A partir daí, mesmo com as viagens constantes, nunca perderam o contato.
Em qualquer lugar do mundo, quando se encontravam, visitavam imediatamente o mercado e os lugares onde a vida da gente simples fervilhava. Na Bahia, quando Pierre chegava, meu pai ia buscá-lo no porto. Numa dessas vezes, por mais que olhasse, não o encontrava. Então reparou num magrelo narigudo, que do convés, ria, olhando para ele. Era o próprio, irreconhecível depois de uma dieta severa.
Verger entrou na minha vida no dia em que nasci, pois foi a primeira visita que minha mãe e eu recebemos, ainda na maternidade. Desde então ele foi presença constante, fosse em passeios com meu pai, para feiras, terreiros, Pelourinho e mais, fosse em nossa casa, onde ele chegava bem cedinho e ia para o estúdio conversar com meu pai. Lá pelas sete e meia, os dois desciam para tomar café da manhã com a gente.
Nos divertia que sempre que se lhe oferecia um prato, respondesse: - Já que insiste! Sem que ninguém tivesse insistido. E, depois de se regalar, concluía: - A vida não é tão má!
Pierre não resistia e adorava quando minha mãe fazia perna de carneiro. Dizia que o gigot d’agneau era sua comida preferida e lhe lembrava dos pratos que sua mãe fazia. Filho de Xangô, essa iguaria lhe era proibida, o que certamente aumentava a tentação, pois Pierre e meu pai também tinham em comum a tendência a transgredir. Verger chegou a me dizer que não entendia por que eu fumava, já que não era escondido, pois ele tinha parado de fumar no dia em que lhe deram permissão.
30474Quanto a mim, durante anos, a partir de 1982, trabalhei com Verger. Primeiro como tradutora de Yemayá y Ochún, livro da escritora cubana Lydia Cabrera, do qual ele adquirira o direito de publicação e depois, por ser bióloga, na revisão técnica do livro Ewé e também na tradução do inglês para o português, das fichas de pesquisa que foram sua base. Fui também secretária-geral da Fundação Pierre Verger, da qual hoje sou curadora. Era eu também, quem cuidava dele, o levava ao médico e fornecia sua comida.
No domingo, 11 de fevereiro de 1996, bem cedinho, recebi um telefonema de Antônio, vizinho e colaborador de Verger, dizendo que ele tinha morrido durante o sono. Ao chegar no alto do Corrupio, Pierre parecia dormir. Chamei meu pai, começaram as providências, enquanto isso, sorrateiramente, pai fez um desenho do perfil de Pierre, parecia um pássaro.