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Seu encontro com Fatumbi

Informativo: E em que momento você conhece Pierre Verger? Como foi conviver com ele?

Dona Cici:
O primeiro contato com a obra

dieux d afriqueO meu primeiro encontro com ele foi através dos livros.  No Rio eu fui com um amigo a um sebo e vi, sem capa, um livro chamado Dieux d'Afrique. E o interessante é que o livro tinha fotos coloridas e ele fez poucas fotos coloridas. Compramos o livro e começamos a estudar.  E eu acompanhei toda a história dele depois de adulta, as idas e vindas, as viagens.

 

O primeiro encontro com  Pierre Fatumbi Verger

Bom, o tempo passa e meu pai Fatibum vai tomando vários cargos no candomblé. Um dia eu estava na casa de Giselle Cossard Binon, a única mãe de santo francesa do Brasil, e ele chega na simplicidade dele acompanhado de três beninenses. Dentro do candomblé tem uma hierarquia e eu não podia chegar perto dele. Mas na hora que fui tomar a benção, eu levantei a cabeça e olhei bem pro olho dele bem azul, fixei meus olhos nele e saí.
Eu e os outros quas senhoras do passaro da noitee eram iaô, só podíamos comer depois das autoridades. Aí a gente subiu numa árvore e começou a comer goiaba, tudo com aquela roupa, não podia tirar. Ele passou e olhou como quem dizia que aquele lugar não era certo para a gente estar. E eu perguntei, olha que ousadia: “Por acaso o senhor conhece algum orixá das árvores?“ E ele disse: “Sim, os passarinhos e os macaquinhos.” Nunca eu vou me esquecer disso. E muitos anos depois eu fui entender o que ele falou. Você pode ler um livro dele “As Senhoras Dos Pássaros Da Noite”, mulheres que se transformam em pássaros. E sobre os imeres abicus, que são os espíritos de crianças que se transformam em macaquinhos. Espiritualmente, para quem crê. E até hoje eu tenho muito respeito aos pássaros.

 

Meus ensinamentos começam dali, minha vida, meu primeiro contato com ele pessoalmente.

A mudança para a Bahia

O destino fez com que eu viesse para a Bahia. Fiz meu orixá e disseram que a minha vida estava aqui.
Não podia ir falar com ele ainda e quando ele ía na roça era o maior respeito. Lá, às vezes, ele ia falar comigo. Ele normalmente estava acompanhado de duas mulheres, Rina Argulo e Arlete Soares.
Mas eu trabalhava de cobradora de ônibus aqui na Avenida Vasco da Gama, bem aqui embaixo. Ele quando eles descia a ladeira, entrava no ônibus, pagava a passagem e deixava o troco pra mim. Como minha tia Vigi dizia, ele era um nagô branco. Ele era elegante, era bonito.  

O aprendizado diretamente com ele

CaixaEu vim trabalhar com ele no final dos anos 80, quando eu deixei de ser cobradora de ônibus. O trabalho era com fotos de cerimônias de orixás. Eu comecei com as primeiras fotos de África, as da Caixa 1 – Arrivèe.

Ele pegava as fotos do Benin, em Nigéria, e a gente fazia comparação.  Ele perguntava se eu sabia o que era e eu dizia: “No Brasil é isso, isso e isso”. Ele dizia: “Lá também”. As cerimônias que eu conhecia, eu escrevia e o que eu não sabia ele anotava com a letra dele e me explicava. Eu aprendi muito!
Eu usava lentes para ver todos os detalhes. Cê sabe pra quê? Eu olhava rosto, eu olhava corpo, eu olhava roupa, olhava tudo que a foto dele tinha.  Era pra aprender, porque eu não ia aprender nada disso na universidade. Minha universidade era as fotos e ele.
Por isso que algumas pessoas de fora me procuram. “Como é que você sabe isso? Por quê a mão é assim? Por quê o rosto é esse? Por quê assim assado?” Porque tem que pegar detalhes de tudo. Eu tenho uma ideia de que eu vi com ele 11 mil fotos. Foi a maior universidade que eu já tive!
A minha pedagogia é a da vida. É aquilo que eu aprendi através dessa minha viagem no mundo com as fotos de meu pai Fatumbi. Se não fosse ele eu não faria tantas viagens e eu não conheceria tantas coisas. Muitos lugares eu conheci através das fotos dele e outras coisas o destino fez com que eu fosse ver com meus próprios olhos. Eu fui à Cuba, Suriname, França, Suíça, Benin levando o trabalho da Fundação.

A despedida
E desenvolveu assim até um dia de sábado de 96, mês de fevereiro. Eu ia pra Lauro de Freitas pra voltar no dia seguinte. Antes de sair ele me perguntou se eu estava precisando de alguma coisa.  E eu respondi: “Estou. Que o senhor viva 100 anos a mais que o senhor já está quase com eles”. Ele deu uma risada. Quando eu cheguei no dia seguinte ele já tinha ido embora.